O silêncio como refúgio, a música como companheira.

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À luz do luar (letra para a música de Claude Debussy)



À luz do luar 

A Lua brilha no céu e as estrelas no teu olhar.

Sinto o amor dançar por sobre a onda do mar!

Tão forte sentimento, eu sei, assim não há.

 

Os anjos... posso ouvir, eles cantam,

Vibram gentis e formam coro,

Iluminam o que eu sinto.

 

Ah, tudo é tão lindo, perfeito e em paz!

Ah, isso tudo jamais deveria acabar.

Por mim, nunca mais, luz, farol a guiar.

Seremos sempre nós, mesmo na noite mais fria,

Serenos, tu e eu, até que o Sol venha nos aquecer e se faça o dia.

 

Oh, meu amor,

Doce é o silêncio

Depois da espera!

Por toda a noite,

A Lua brilha por ti!

 

Os anjos lá do céu e as estrelas do teu olhar.

Encantam tudo em volta desse nosso amor.

Que sentimento forte, eu sei, pra

Sempre será!

Biografia de Anita Garibaldi em seu bicentenário de nascimento, um relato auditado.

Retrato de Anita em miniatura por Gaetano Gallino (1845)

Ana Maria nasceu de Jesus para se tornar Anita Garibaldi. Sabe-se pouco sobre seu tempo de menina, interrompido no dia de seu aniversário de 14 anos, na Matriz Santo Antônio dos Anjos “da” Laguna, quando aceitou, resignada, desposar um homem de trinta, com ideais completamente diferentes dos seus. Provinha de uma família humilde com dez filhos, pai tropeiro, mãe costureira[1].

Aninha herdara do pai o gosto pelos cavalos e, desde tenra idade, demonstrou que estava determinada a tomar as rédeas do seu destino. Com personalidade forte, “plena de indômitos”, como escreveu Ivo D’Aquino[2], que foi membro do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, não se intimidava diante de eventual importunação, insurgia-se, impunha-se com a energia própria dos destemidos.

A jovem não ignorava a situação político-econômica do governo monárquico-regencial, com pesada carga tributária e críticas à administração dos recursos imperiais. Seu tio Antônio, por simpatizar com o movimento farroupilha, que havia culminado com a proclamação da República Piratini, no estado vizinho, em 1837, teve sua casa, em Lages, incendiada.[3]

Em 1839, o movimento dos farrapos transborda para Laguna, já que o porto da pequena vila permitiria expandir a revolução a outras províncias. Em 22 de julho, Giuseppe Garibaldi toma Laguna, no comando do Seival, depois da epopeia náutica iniciada em Camaquã, que envolveu o transporte inusitado de dois lanchões sobre carretas puxadas por juntas de bois, ao longo de cem quilômetros[4].

“O povo foi para as ruas e os sinos da igreja repicaram quando os farrapos entraram em Laguna”[5]. Teria Ana Maria festejado a boa-nova? De certeza, sabemos que, passados os dias de euforia, depara-se com Giuseppe Garibaldi, e ouve dele a frase que permaneceria na memória do herói como uma sentença inexorável, que só a morte poderia romper: “tu devi essere mia!” 

Ao ser chamada carinhosamente de Anita, não poderia imaginar que esse encontro fulminante transubstanciaria sua experiência, selaria um compromisso de amor e também de lutas pelos ideais republicanos e por justiça social.

Dois meses depois do arrebatamento, a decidida mulher demove Garibaldi da relutância em levá-la consigo. Na noite de 20 de outubro de 1839, sobe na escuna Rio Pardo, levando consigo apenas alguns pertencentes pessoais.

Não tardou para ser colocada à prova. Em 4 de novembro, durante combate em Imbituba, um balaço de canhão a fez tombar no convés. Dois marinheiros ao seu lado padeceram. Anita, ensanguentada demonstrou excepcional bravura. Causou admiração em todos, para orgulho de Garibaldi, que, “agradecido à providência divina”, registrou, em suas memórias, a coragem ímpar de sua amada, [6].

“Digna da admiração universal”, o tesouro de Giuseppe, “não menos fervorosa do que [ele] pela sacrossanta causa do povo”, encarava com bom humor as vicissitudes das batalhas. Grávida, comandou o transporte de munições entre a retaguarda e as posições avançadas na batalha de Curitibanos. Feita prisioneira, escapou corajosamente, em noite tenebrosa, como relatou o Comandante dos Imperiais [7].

Emboscadas e círculos de fogo crepitantes não foram suficientes para detê-la. Depois de marcha ininterrupta por alguns dias, sem comer nem beber, despistou o “maior caçador dos farrapos”, em Mostardas. Com seu recém-nascido Menotti nos braços, monta o cavalo, em fuga. A guerra estava perdida, a imagem, eternizada no Gianícolo em Roma.[8].

Em Montevidéu, “Garibaldi fez Anita sua esposa em 26 de março de 1842”, na Igreja de São Bernardino[9]. É lá que nossa heroína se revela ao mundo como mãe dedicada e onde nasceram três de seus filhos, Rosa, Teresa e Ricciotti.

A rua com nome do padroeiro dos pescadores, São Pedro, abrigou a família[10]. No Uruguai, a católica Anita[11] exerceu o ofício de costureira que aprendeu com a mãe, para uma modesta freguesia[12]. A propósito, Santa Catarina de Alexandria, é a protetora das costureiras e do Estado de Santa Catarina.

Anita floresceu em plena Guerra Civil do Uruguai. “Modesta e boa criatura”, sua maior ocupação consistia em divertir os filhos – ela era toda amores para sua família.[13] Lá, também, a “esplêndida amazona” despertava a admiração de todos, “cavalgando ao lado do marido, enquanto a banda italiana tocava sua marcha de regresso” depois de ter cumprido os deveres do dia[14].

“Incorporada como enfermeira da Legião Italiana”, passou a cuidar de numerosos feridos na Batalha de Santo Antônio del Salto[15] - "anjo providencial"[16] que já havia se revelado nos combates do planalto catarinense. Dessa vez, ocupava-se como lenitivo para aplacar o luto devastador da morte prematura de sua filha Rosita, com apenas dois anos de idade, às vésperas do Natal de 1845[17].

Foi mãe pela quarta vez, no dia 24 de fevereiro de 1847, quando nasceu Riccioti Garibaldi. Dez meses depois, Anita embarca com os filhos para a Itália, que fervilhava com o movimento chamado “risorgimento”, em missão de “sondagem diplomática”.[18]

Em Gênova, sua chegada foi celebrada “de modo extraordinário”, quando “mais de três mil pessoas vieram gritar em frente à casa” onde se instalara[19]. O mesmo ocorreu, dias depois, em Nice, terra natal de seu marido.

Anita estava ao lado de Garibaldi, em 1848, quando ele reuniu um corpo de voluntários para libertar a Itália do domínio austríaco, e juntou-se à luta pela unificação de seu país[20].

Em sua última primavera, ela organizou o hospital para os legionários em Rieti[21]. Para o grande biógrafo da heroína, Wolfgang Ludwig Rau, seu temperamento decidido e intelecto inato “a capacitavam para acompanhar condignamente os altos voos de um homem invulgar” [22].

Ainda em abril de 1849, Anita galopou por Rieti, no que seria, para Rau, “um oportuno preparo físico” para a Grande Retirada. Volta à Nice para junto de seus filhos – por pouco tempo, já que então recente República Romana, que havia afastado o Papa do governo, precisava ser defendida por Garibaldi – “a luta se converteu em uma das passagens épicas do “Risorgimento”[23].

A heroína, ao saber do ataque francês ao Gianícolo, foi ao encontro de seu marido, e o surpreendeu em 27 de junho[24], na Porta de San Pancrácio: estava ali a sua Anita, “um soldado a mais”[25]. Porém, na luta final, “não havia um lugar onde pôr os pés, a não ser sobre o corpo dos mortos e feridos”[26] - o destino de Roma estava selado.

Anita, vestida como amazona, e montada em um belo cavalo zaino, marchou com Giuseppe na “retirada” para os Apeninos[27]. Despistaram os inimigos com estratégias que até hoje são estudadas nas academias militares – “como nos pampas da Farroupilha, a cavalaria seria a arma mais ativa”[28].

Tropas inimigas, divisões austríacas de milhares de homens, continuaram no encalço dos nossos heróis[29]. Companheiros deserdaram a caminho de San Marino. A retaguarda da cavalaria foi massacrada! Anita, exausta, grávida e febril, tentava comandar os soldados.[30]

Ao chegar na menor e mais antiga república, a saúde da heroína era crítica, e o refúgio, inseguro. As condições impostas eram inaceitáveis! Anita, como em Laguna, “forte de espírito”, demove Garibaldi de deixá-la para trás, a salvo.[31]

A caça do exército austríaco não deu trégua. Nem mesmo a Lua foi companheira, pois revelou a posição dos legionários esgotados durante a fuga. Até com água pelo peito, Garibaldi carrega a heroica mulher, em seu tormento atroz”[32], que, mesmo destruída pela febre, sob sol escaldante[33], mantinha seu espírito indômito[34].

Antes de chegar a Mandriole, Anita ainda esboçou um sorriso feliz, ao saber que o destino poderia reservar segurança ao marido[35]. Inexplicavelmente, reuniu forças para contar à dona da casa algumas de suas peripécias e que iria ser mãe novamente. À luz de velas, fez um prece silenciosa[36].

Depois de extenuantes horas, a caminho do abrigo seguro (Fattoria), Anita já sem cor, sem forças para ficar em pé, com um fio de voz, pediu água.  Garibaldi, zeloso, tirou a espuma no canto de sua boca.  Ao chegar no destino, um médico constatou a gravidade da situação. Com dificuldade, a conduziram para o andar superior da edificação[37].

Ainda na escada, Anita teve um leve espasmo. Ao acomodá-la no leito, Garibaldi percebeu, incrédulo, que o coração de seu mais precioso soldado já não pulsava mais. Descansava, enfim, às dezenove horas e quarenta e cinco minutos, do dia 4 de agosto de 1849, sua doce, brava e amada companheira, a nossa heroína...[38]

O corpo de Anita foi enterrado, pronta e descuidadamente, em uma cova rasa, a uns 800 metros da Fattoria.  Havia o "pavor de um eventual contágio, e o temor de uma eminente surpresa austríaca". Os despojos foram encontrados por uma menina pastoreira e, então, sepultados no cemitério da igreja de Mandriole, em 11 de agosto.

O capítulo final da obra de seu biógrafo Rau é dedicado aos "sete enterros" da heroína. Seus restos mortais foram enviados para Bolonha, Livorno, Gênova, Nice - terra natal de seu herói - onde descansou por 72 anos. Novamente exumados em 1931, foram levados de Nice à Gênova.

"Em apoteose nacional, foram, finalmente, depositados em Roma, em 2 de junho de 1932, aos pés do impressionante monumento equestre da heroína, no monte Gianicolo, o qual fora palco das lutas republicanas de 1849."

Retrato de Anita por Gerolamo Induno (1849)


[1] RAU, Wolfgang Ludwig. Anita Garibaldi: o perfil de uma heroína brasileira. Florianópolis, Edeme, 1975, p. 72.

[2] D’AQUINO, Ivo. Anita Garibaldi. Rio, 1949. In Rau, Wolfgang Ludwig. Anita Garibaldi: o perfil de uma heroína brasileira. IHGSC, 2019, p. 94.

[3] MARKUN, Paulo. Anita Garibaldi: uma heroína brasileira. São Paulo, Senac, 1999, p. 71.

[4] DE CAMAQUÃ À LAGUNA. Os 180 anos da homérica travessia do Seival. Gazeta Centro-Sul. Acesso em 25 jul. 2021.

[5] MARKUN, op. cit., p. 129.

[6] RAU, op. cit., p. 133.

[7] MARKUN, op. cit., p. 163, 170, 171.

[8] MARKUN, op. cit., p. 178.

[9] RAU, op. cit., 236.

[10] MARKUN, op. cit., p.200-203.

[11] RAU, op. cit., p. 361-362.

[12] RAU, op. cit., p. 228.

[13] RAU, op. cit., p. 364.

[14] MARKUN, op. ct., p. 236.

[15] MARKUN, op. cit., p. 233.

[16] DUMAS, Alexandre. Giuseppe Garibaldi. Ed. Barbudânia, p. 97.

[17] RAU, op. cit., p. 273-278.

[18] RAU. op. cit.,’ p. 359.

[19] RAU, op. cit., p. 287-290.

[20] MARKU, op. cit., p. 252-274.

[21] MARKUN, op. cit., p. 280.

[22] RAU, op. cit., p. 361-362.

[23] SILVA, Roberto Aguilar M. S. Os Carbonários. Disponível em https://issuu.com/irmaosdoreaa/docs/os_carbonarios. Acesso em 7 ago. 2021.

[24] RAU, op. cit. P. 381.

[25] MARKUN, op. cit. 301-302.

[26] PARIS, John. The Lion of Caprera, p. 105. nota 4, in MARKUN, op. cit. 308.

[27] RAU, op. cit., p. 390.

[28] MARKUN, op. cit., p. 318.

[29] MARKUN, op. cit., p. 324.

[30] MARKUN, op. cit., p. 325-329

[31] RAU, op. cit., p. 418-425.

[32] RAU, op. cit., p. 432.

[33] RAU, op. Cit., p.465.

[34] MARKUN, op. cit., p. 339.

[35] RAU, op. 453-456

[36] MARKUN, op. cit., p. 340.

[37] MARKUN, op. cit. p. 342-344.

[38] RAU, op. cit., p. 468-469.